Este é um texto que teve como ideia inicial falar sobre as formas mais utilizadas para processar e reciclar as baterias de carros elétricos, que são a Pirometalurgia e a Hidrometalurgia. Porém, várias e importantes etapas precisam ser analisadas até chegarmos nesses processos.
A venda de veículos elétricos apresenta uma mudança de caminho na produção de carros que parece sem volta, deixando os motores a combustão interna, aqueles que utilizam combustíveis tais como gasolina, álcool e diesel, para trás. Em 2017, mais de um milhão de carros elétricos foram produzidos no mundo e este número aumenta continuamente. Como exemplo, a Daimler-Chrysler já abandonou o desenvolvimento da tecnologia de motores a combustão interna e assim, encara o futuro como elétrico.
Um dos principais problemas ou críticas aos carros elétricos é a bateria, que é à base de lítio. Boa parte do lítio é extraído no deserto do Atacama pelo processo solution mining. Nesse processo, a extração é feita com água, que abre as galerias, os túneis e os fossos, formando o que é chamado no jargão de caverna (cave), dissolvendo o mineral resultando em uma salmoura que é enviada para a superfície. Na superfície, essa mistura de água com minério então é aquecida, a água é evaporada e com isso resulta o minério. Devido ao uso intensivo de água, para cada tonelada de lítio produzida são utilizadas 750 toneladas de água. Dessa forma, reutilizar e reciclar as baterias de lítio é uma forma inteligente de preservar o meio ambiente.
As baterias de íon de lítio veicular são muito parecidas às baterias de um celular. Com a diferença que veículos elétricos não usam uma única bateria, mas um arranjo composto por centenas de células individuais de íons de lítio trabalhando juntas e que pesam, na média, 250 kg.
O número de carros elétricos vendidos no mundo está por volta de 7 milhões ao ano, para se ter uma ideia a frota da cidade de São Paulo é ~ 5,8 milhões, então daria para trocar toda a frota e ainda sobraria mais de um milhão! A estimativa de venda de carros elétricos no Brasil para este ano é de 10.000. A vida de uma bateria está entre 15 a 20 anos, com milhares de recargas entre esse tempo.
Antes de reciclar as baterias dos carros elétricos, pode-se reutilizá-las. A reutilização é um dos 3 erres. Reutilizar é consideravelmente mais barato do que reciclar, então, encontrar usos não tão intensos para essas baterias será um caminho importante a ser seguido. Por outro lado, segundo estudos, não haverá nesse mercado de reuso lugar para todas as baterias em final de vida quando a produção dos carros com propulsão elétrica estiver na casa das dezenas de milhões de carros por ano. O caminho será, então, a reciclagem.
Se a ideia for desenvolver uma tecnologia nacional para reciclar baterias de carros elétricos, a hora é agora, há tempo e conhecimento no país.
A reciclagem das baterias de celular será utilizada como referência e como base para a reciclagem das baterias dos carros elétricos. Nos últimos 20 anos, produziram-se centenas de trabalhos acadêmicos como trabalhos de conclusão de curso, iniciação científica, mestrado, doutorado e de livre docência, além é claro dos papers que esses estudos produziram e que tiveram como objetivo reciclar as baterias de celular. Todos estes estudos serão a reserva de conhecimento técnico e científico nessa nova fase que será reciclar as baterias de carros elétricos.
Para se obter o lítio presente nas baterias de carros elétricos, algumas etapas de separação devem ser feitas de maneira a atender a diversidade de tamanhos e de composição química além, de cuidados contra incêndios e contra choques. Os processos metalúrgicos visando a reciclagem acontecerão somente após essas fases.
Os eletrodos das baterias são inflamáveis, mais inflamáveis do que pneus, tenha-se em conta que houve um incêndio em uma pilha de pneus na Escócia que durou 15 anos! Dessa forma, antes de se estocar essas baterias, um estudo sobre como será o sistema de combate ao fogo obrigatoriamente deve ser feito. Já houve pelo menos dois casos de incêndio nos Estados Unidos relacionados a estocagem de baterias de carros elétricos.
Como os carros de uma maneira geral, os elétricos também, apresentam diferenças entre si, o formato das baterias de cada um desses veículos também é diferente. As baterias devem obedecer regras básicas como centro de massa baixo, ocupar o menor espaço possível, ser de fácil acesso para manutenção e, por último mas não o menos importante, apresentar segurança numa colisão.
Há, pelo menos, 3 tipos de baterias com desenhos e formatos diferentes. A observação dessas diferenças vai impactar na forma com que o manuseio e o desmonte das baterias irão ocorrer. Como automatizar esses dois processos vai requerer novas pesquisas e estudos que não são normalmente contemplados na pesquisa da universidade, que visa apenas encontrar uma rota para reciclar as baterias.
As baterias chumbo-ácido dos carros a explosão que utilizamos atualmente, quando vão ser trocadas, retira-se a solução ácida interna da bateria antiga para evitar uma descarga elétrica inadvertida. No caso das novas baterias isso não ocorre pois não há líquido a ser retirado e a bateria continua com carga. Descarregar as baterias no final da vida será uma etapa importante para evitar choques, que podem levar à morte do operador e curto-circuitos durante a operação de desmonte. Como exemplo da dificuldade que esta etapa terá quando for instalado um processo assim, hoje no Reino Unido há apenas 1.000 eletricistas capacitados para esta operação.
Além dessas etapas iniciais, outra separação por tipo de bateria necessita ser feita. Há pelo menos 4 tipos de baterias com composições químicas diferentes, logo o sistema de reciclagem que irá receber essas baterias deve estar apto a receber o maior tipo possível de baterias diferentes e separá-las para que o processo desenvolvido para cada uma delas obtenha o melhor rendimento.
Esses anos de trabalhos acadêmicos mostraram que há dois caminhos ou rotas de processamento, intensivamente estudados para baterias de celular, que visam separar e concentrar os elementos de interesse: a pirometalúrgica e a hidrometalúrgica. A rota pirometalúrgica utiliza alta temperatura para promover a separação do metal de interesse de uma escória por exemplo. E a hidrometalúrgica, em que a principal etapa de separação metal-ganga envolve reações de dissolução.
Serão necessários alguns anos de pesquisa acadêmica para se chegar à fase da construção de uma planta piloto, que terá diferenças à pesquisa de bancada realizada.
O projeto da planta piloto deverá ser desenvolvido pelas empresas de engenharia, com diversos trade-offs no que se refere aos sistemas de manuseio e desmonte das baterias. O desenvolvimento de um sistema para descarregar eletricamente as baterias de maneira segura e isolada eletricamente deve ser pensado, pois será totalmente diferente daquele utilizado na universidade, que contará com apenas algumas unidades de baterias. Além disso, também deverão ser pensados sistemas de combate a incêndio específicos para a estocagem das baterias quando recebidas e dos eletrodos quando retirados.
Após essas etapas concluídas e com o pleno funcionamento do projeto piloto, um projeto básico de engenharia deverá ser encomendado novamente, desta vez para a fábrica, novos testes deverão ser feitos para entender o que muda quando o número de baterias passar de algumas dezenas por dia na planta piloto para algumas centenas.
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